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segunda-feira, 11 de julho de 2016

Portugal 1 x 0 França - Final - Euro 2016

Escalações

Ambos os times mantiveram a mesma estrutura das semifinais. Portugal contou com a volta de Pepe e William Guerreiro, com Bruno Alves e Danilo voltando para o banco. A França repetiu os mesmos jogadores da vitória contra a França.



França começa bem.

O jogo começou com a França melhor no jogo. O quarteto de meio campo português é extremamente funcional, focado principalmente em fechar espaços e pressionar os adversários do que em criar propriamente. Essa opção pela funcionalidade em detrimento da qualidade foi uma das características marcantes do time português nessa Eurocopa.

Apesar desse esquema ter sido relativamente bem-sucedido em atrapalhar times de melhor qualidade no meio-campo (Croácia, Polônia e País de Gales), a estratégia não estava funcionando para Portugal dessa vez. A França claramente forçava o jogo pela sua esquerda. Payet se movimentava para o meio, levando Cedric com ele, abrindo espaço para avanços de Matuidi e Evra. Renato Sanches não conseguia marcar os dois, e a França levou perigo por ali.

Outro movimento que levava perigo para Portugal era o movimento de Sissoko, que tomava posições bem centrais, longe da marcação de Guerreiro, sobrecarregando o meio-campo português, e fazia corridas verticais com a bola, driblando em velocidade. De fato, durante o jogo, todas as chances criadas pela França partiram ou da ponta-esquerda, ou de posições centrais, nenhuma chance foi criada pelo lado direito.

Dribles de Sissoko: Apesar de ser nominalmente meia-direita, ele apareceu muito pelo centro como elemento surpresa, e levou perigo com suas corridas verticais.


Saída de Ronaldo ajuda Portugal

Aos 25 minutos do primeiro tempo, Cristiano Ronaldo teve de ser substituído devido a uma lesão no joelho. Um momento que mudou totalmente o panorama do jogo. O time de Portugal era construído para deixar seu craque a vontade para desequilibrar. Sem ele, Portugal se tornava quase inofensivo. Por outro lado, a sua saída deu a oportunidade para Fernando Santos equilibrar melhor seu time, fechando o buraco pelo lado direito da defesa. Com isso, o ímpeto inicial da França diminuiu, e mesmo sem o craque português, o jogo ficou mais equilibrado.

Quaresma pela direita ajudou a definir os embates individuais mais claramente, acabando com a vantagem francesa por aquelea lado.
Outro efeito da saída de Ronaldo foi a mudança no status do jogo. Agora, mais do que nunca, a missão de Portugal era apenas sobreviver ao primeiro tempo, enquanto a pressão da vitória recaia sobre a França, que tinhas os melhores jogadores, e jogava em casa frente a sua torcida. Para isso, a estratégia portuguesa teve de mudar radicalmente. Antes, eles queriam que a França tivesse a bola, para tentar pegá-la no contra-ataque com o craque do Real. Depois da sua saída, os portugueses tentaram se defender através da posse da bola, tocando a bola na defesa, e diminuindo o ritmo do jogo. Os franceses pouco tentaram pressionar a saída de bola portuguesa. O jogo chegou até o intervalo sem maiores emoções.


Atuação de Evra antes e depois da saída de Ronaldo, nas duas metades do primeito tempo: participou menos sem o português em campo.

Segundo Tempo e o Gol

Portugal voltou para o segundo tempo ciente de suas dificuldades, com a única missão de manter sua estrutura defensiva para tentar frustrar a França diante de sua torcida. Provavelmente, os portugueses estariam felizes de arrastar o jogo para os pênaltis. Cabia a França, favoritaça naquele momento, buscar o gol. Mas os franceses continuaram com dificuldades. Primeiro, eles não estavam sendo proativos na recuperação de bola, permitindo que os zagueiros portugueses esfriassem o jogo. Segundo, Griezmann estava bem marcado por William Carvalho, que é um volante de marcação clássico, e o acompanhou por onde foi. Terceiro, Pogba tentava jogar como um armador recuado, mas ficava muito longe da área portuguesa, e acabou o jogo com muitos passes, mas poucos ambiciosos.

Pogba jogou longe do gol, controlando a bola, mas com pouca ambição
Didier Deschamps trocou Payet e Giroud por Coman e Gignac. Com essas substituições, não alterou a disposição do time, que continuou torto, atacando apenas pela esquerda, mas os dois reservas melhoraram o ritmo da partida, com Coman criando quatro chances de gol, e Gignac acertando a trave. 

Percebendo que a França não exercia a pressão que dela se esperava, Fernando Santos fez duas trocas para melhorar a qualidade ofensiva do time. Primeiro, tirou o combativo Adrien Silva e colocou João Moutinho, de ótimo passe. Em seguida, e mais crucialmente, tirou o cansado Renato Sanches, talentoso, mas sacrificado com suas responsabilidades defensivas, e colocou o jovem centroavante Éder, muito questionado.

Éder foi uma presença física importante na área, dando trabalho aos zagueiros frances, que até então não tinham tido que lidar com um centroavante típico. O atacante conseguiu segurar a bola melhor, e arranjou cinco faltas, que resultaram em três cartões amarelos para a França. Com ele, Portugal se alinhava em um 4-3-3 mais clássico, e tinha mais alternativas, o que deixou a França mais receosa. 
No seu pouco tempo em campo, Éder sofreu cinco faltas, e conseguiu três cartões amarelos pra França, ajudando a desafogar a pressão.

Foi também dele o gol da vitória, com um drible e chute de longe inesperados. Com quatro minutos do segundo tempo da prorrogação, era o gol que calava a França. Portugal foi todo defesa, com Cristiano Ronaldo virando um dublê de técnico na beira do gramado. a França não conseguiu o gol do empate, e perdeu o título em casa.

Conclusão

Nas semifinais, ambos os times conseguiram a vitória apesar de abdicarem de ter a bola na maior parte do jogo. E continuaram com essa estratégia nesse jogo. A França jogou com um esquema criado para permitir a Griezmann contra-atacar, mas o jovem atacante não teve esse espaço o jogo todo. Portugal começou o jogo como azarão, status que se intensificou com a saída de Ronaldo. A França, mesmo tendo mais chances, não soube controlar o jogo e encurralar o time português. Não souberam pressionar nem jogar através do bloqueio no meio-campo português. Todas as suas jogadas se concentraram pelo mesmo setor, primeiro com Payet e depois com Coman. Não soube encontrar alternativas.

Portugal perdeu a Eurocopa de 2004 em casa contra a Grécia, o adversário dos sonhos, sem tradição. Aquele time tinha Cristiano Ronaldo, Figo e Deco, três nomes de nível mundial. Dessa vez, com um técnico que trabalhou por anos na Grécia, Portugal chegou ao título sem jogar bonito, com um meio-campo funcional que trabalhou em todos os jogos para conter os passes adversários, em vez de criar jogadas. Tudo para que Cristiano Ronaldo pudesse decidir. E ele decidiu, pelo menos até a final. Na final, a sua ausência significou um time de Portugal ainda mais batalhador. Mesmo assim, eles seguraram a pressão da França, os donos da casa, para levantar a taça. Dessa vez, Portugal foi a Grécia.





sábado, 9 de julho de 2016

França 2 x 0 Alemanha - Semifinal - Euro 2016

Escalações

Os dois técnicos tiveram de tomar importantes decisões nas suas escalações. No jogo contra a Islândia, o zagueiro Rami e o volante Kanté estavam suspensos e foram substituídos por Umtiti (recém-contratado pelo Barcelona) e Sissoko. Com isso, a França mudou seu formato para um 4-4-2, com Sissoko pela direita, e Griezmann como segundo atacante. Contra a Alemanha, Deschamps podia contar com Kante e Rami, mas preferiu repetir a formação do jogo contra a Islândia.

Já Joachim Löw tinha sérios desfalques: Khedira e Mario Gomez, machucados, e Matts Hummels, suspenso, um problema em cada setor da equipe. Na defesa, colocou Howedes ao lado de Boateng, com Kimmich na lateral-direita. No meio-campo, optou por Can no lugar de Khedira, e deu a Schweinsteiger sua primeira oportunidade como titular. Na frente, manteve o trio Muller, Draxler e Ozil, com o primeiro se tornando o centroavante do time. Com isso, Löw também fez a opção por não manter o 3-4-3 do jogo contra a Itália, escalando o time no 4-3-3, com Schweinsteiger como o primeiro volante.

 


Dominío Alemão

Nos cinco minutos iniciais, a França pressionou a saída de bola, tentando encontrar um gol antes que a Alemanha conseguisse impor seu tradicional ritmo de posse de bola. Nesses instantes iniciais, a França teve relativo sucesso, especialmente devido a algumas falhas de Can, que ganhava seus primeiro minutos de jogo na Euro. Durante esse período, Griezmann tabelou bem pelo meio com Matuidi, chutando de direita para fácil defesa de Neuer. Era um sinal do tipo de perigo que a França ofereceria ao longo do jogo.

Passado a pressão inicial, a Alemanha tomou o controle do jogo, provavelmente produzindo o melhor futebol da Eurocopa, principalmente considerando o nível do adversário. Dos 10 minutos ao fim do primeiro tempo, a França apenas assistiu a Alemanha jogar bola. Schweinsteiger recuava como um zagueiro para iniciar as ações e fugir da possível pressão. Os zagueiros avançam até o meio-campo, e os laterais se tornavam pontas, arrastando com eles os meias abertos da França, Sissoko e Payet.

Em geral, a Alemanha tocava a bola pela esquerda com Kroos, atraindo o jogo para um lado, antes de tentar encontrar Kimmich, Can e Ozil do lado oposto, que apareciam com perigo. Can, em especial, depois dos erros nos momentos iniciais, era quem aparecia com mais perigo, se projetando como elemento surpresa no ataque.

90% das vezes, a supremacia alemã nesses momentos teria se convertido em gol. Entretanto, a bola não entrou. Thomas Muller, em especial, terminou as duas Euros que disputou sem gols, o que é bizarro para quem é notavelmente prolífico em Copas do Mundo. Nesse jogo, apesar do incrivel volume de jogo alemão, ninguém conseguiu bater Lloris. E para azar alemão, no último lance do primeiro tempo, Schweinsteiger colocou a mão na bola dentro da área e o juiz deu pênalti, que foi convertido por Griezmann. Completamente contra o ritmo do jogo, a Alemanha ficava atrás no placar.
Passes no ataque da Alemanha vs França durante o primeiro tempo: Domínio absoluto da Alemanha.

Defesa Francesa

Existem casos em que o treinador arma um time na defesa, com várias estratégias montadas para atrair o adversário para zonas não perigosas, forçar o erro adversário, e matar o jogo em contra-ataques (vide o Atlético de Madrid de Simeone). Não era o caso da França no primeiro tempo. A França foi dominada, e teve de contar com sorte e a boa atuação dos seus zagueiros. De fato, Umtiti e Koscielny tiveram uma noite inspirada, e tiveram possivelmente a melhor atuação das suas carreiras. Umtiti, em especial, mostrou porquê o Barcelona o contratou nessa janela de transferências. 

Koscielny e Umtiti fizeram o que era possível na defesa. Gol alemão não saiu por sorte e pelos méritos deles.


Muito se falou de que Deschamps deveria ter retomado o 4-3-3 dos primeiros jogos, para povoar mais o meio campo, e atrapalhar o domínio alemão. O técnico francês preferiu manter o 4-4-2. Essa escolheu serviu para posicionar jogadores mais diligentes nas pontas, que pudesse marcar os avanços dos laterais alemãos. Sissoko e Payet tiveram de fazer esse trabalho sujo. Payet, em especial, foi um dos destaques ofensivos da França no início do torneio, mas teve de ser sacrificado defensivamente nesse jogo. Pogba e Matuidi fizeram o papel de dupla de volantes, ainda que ambos estejam acostumados com um pouco mais de liberdade. Isso funcionou até certo ponto porque a Alemanha não joga com um camisa 10 centralizado, sendo que Ozil joga pela direita. Com isso, Pogba e Matuidi puderam focar em Can e Kroos. 


Bolas recuperadas por Sissoko mostram como ele se alinhava com a linha de defesa para ajudar a marcar as subidas de Hector.

Ainda que se discuta se a estratégia adotada por Deschamps realmente deu certo ou foi apenas uma baita dose de sorte, no mínimo serviu para posicionar Griezmann pelo meio, na mesma posição em que joga pelo Atlético de Madrid. Griezmann acabou se tornando a estrela do jogo.

Griezmann

O rápido e habilidoso atacante francês costuma jogar no 4-4-2 montado por Diego Simeone no Atlético de Madrid. Nessa formação, os dois atacantes recuam bastante, geralmente marcando os volantes adversários, deixando o time bem compacto. No time de Madrid, Griezmann se especializou em jogar dessa forma, disparando a partir de posições centrais, usando sua velocidade e o drible para atacar times que jogam de forma avançada.

Aparentemente, dentre todos os bons jogadores da França, Deschamps decidiu que Griezmann merecia ter o time montado ao seu redor. Possivelmente inspirado pelo seu histórico enfrentando e derrotando equipes ultra-ofensivas contra a Alemanha. Essa liberdade acabou se pagando, já que o jovem atacante foi, ao longo do jogo todo, a maior, e talvez única arma ofensiva da França. Assim, os donos da casa concentraram todos os seus contra-ataques pela zona central do campo, sempre com a participação de Griezmann. Enquanto os meias-abertos tinham de recuar para marcar os laterais, ele geralmente pressionava Kroos ou Howedes para tentar tabelar com Giroud pelo meio e usar sua aceleração.

Se Deschamps tivesse preferido o 4-3-3, ele teria mais números no meio-campo, mas possivelmente Griezmann teria sido escalado como ponta, e passaria o jogo inteiro correndo atrás do lateral. Dessa forma, ele foi posicionado exatamente da forma que gosta de jogar, e na qual ajudou a derrotar o Bayern de Munique e Barcelona na última temporada.

O francês terminou o jogo com 10 passes certos de 12 tentados no ataque, 5 dribles certos de 5 tentados, 7 chutes sendo que foram 4 no alvo, e 2 gols.


Griezmann durante o jogo: Principal rota ofensiva francesa, recuparando a bola próximo a linha do meio-campo e partindo em disparada com velocidade e drible.

Alemanha se lança ao ataque, mas França amplia.

Voltando do intervalo com a desvantagem, a Alemanha manteve o plano de jogo, e continuou a dominar a França. Entretanto, a sorte realmente não estava com os alemãos. Boateng se machucou, e foi substituído por Mustafi. De repente, a Alemanha jogava com a zaga reserva, e com apenas um jogador da defesa que foi campeã mundial, Howedes, e mesmo ele jogando em um lugar diferente.
Da forma como a Alemanha, é muito importante que os zagueiros tenham capacidade de tocar bem a bola. Boateng e Hummels são ótimo nisso. Mustafi e Howedes, entretanto, estão uns níveis abaixo nesse quesito. Isso deu confiança para a França testar mais a saída de bola alemã.

Assim, ao mesmo tempo em que a Alemã pressionava em busca do gol de empate - e quase conseguia - a França também arriscava mais. Löw tirou Can e pôs Gotze, que começou o torneio como titular, mas perdera a posição para Gomez. Assim, o time foi para um 4-2-3-1. Deschamps respondeu tirando Payet, exausto e sacrificado na marcação a Kimmich, e pôs Kante. Imediatamente, Pogba e Matuidi se sentiram protegidos o suficiente para pressionarem a saída alemã. Juntos, eles roubaram a bola de Kimmich, Pogba cruzou e Neuer desviou, Griezmann pegou a sobra e fez o segundo. Era o fim do jogo para a Alemanha, que ainda tentou, mas não conseguiu seu gol, que seria merecido.

Alemanha no modo ultra-ofensivo: Sané na ponta, com Gotze, Muller e Draxler atacantes e Hector na outra ponta. Ozil como volante-armador. A entrada de Kanté na França não mexeu na estrutura, com Matuidi indo para a esquerda, mas deu mais liberdade para Pogba.

Conclusão

A sorte é o encontro do preparo com a oportunidade. No primeiro tempo, a Alemanha deveria ter vencido fácil a França, pois jogou e criou pra isso, com os franceses apenas assistindo uma aula de futebol. Por um milagre dos deuses do futebol, a bola não entrou. Os franceses tinham uma rota de ataque, e por ali levaram perigo aos alemães, e conseguiram um gol em um erro individual, como já tinha acontecido no jogo Alemanha e Itália. Se a oportunidade apareceu, a França estava preparada para aproveitá-la. A escolha de Deschamps foi por posicionar Griezmann na posição do campo em que ele se sente mais confortável, e por ali ele conseguiu causar estragos na defesa alemã. Era a sorte francesa.

A Alemanha deveria ter ganhado o jogo. O futebol que ela pratica é envolvente e ofensivo desde o início do jogo. Com os zagueiros no meio-campo e os laterais como alas, eles conseguiram encurralar até os donos da casa. Entretanto, muitas vezes esse tipo de jogo produz muitas chances que não são aproveitadas. Bayern de Munique e Barcelona foram eliminado das Liga dos Campeões em situações similares pelo Atlético de Madrid. O jogo alemão é mais bonito de se ver, porque gosta de ter a bola. E esse estilo vai manter a Alemanha como uma das maiores potências do futebol mundial por muito tempo, se conseguir mantê-lo. Mas em um jogo tudo pode acontecer, e nesse caso, foram derrotados por uma França que jogou menos, mas aproveitou as oportunidades que teve, liderados por um Griezmann em grande fase.

Portugal 2 x 0 País de Gales - Semifinal - Euro 2016


Escalações e Desfalques

Ambos os técnicos mantiveram suas formações padrões, mas tiveram importantes desfalques. Do lado de Portugal, Pepe e Willliam Carvalho estavam suspensos, sendo substituídos por Bruno Alves e Danilo, respectivamente. Renato Sanches continuou como titular no meio-campo, com André Gomes no banco.

Já do lado do País de Gales, o zagueiro pela esquerda Ben Davies estava suspenso. O técnico Chris Coleman moveu Chester para a esquerda, colocando James Collins na direita. Mas o desfalque mais importante do jogo foi Aaron Ramsey, meio-campista do Arsenal. Ele foi substituído por Andy King, que joga no Leicester campeão inglês, mas não tem a mesma capacidade criativa.


Meio-campos sem criatividade

Uma caracteristíca em comum dos dois times, e que acabou resultando em um jogo pouco empolgante, é a falta de criatividade no meio-campo. No caso de Portugal, uma escolha do técnico; para Gales, o desfalque de Ramsey foi determinante.

O meio-campo português se organiza em um losango muito peculiar. O homem mais avançado, Adrien Silva, se ocupa em pressionar os volantes adversário, atrapalhando a saída de bola, recuperando-a em posições avançadas, nas quais ele pode rapidamente acionar os atacantes. O homem mais recuado é um primeiro volante tradicional, dando uma proteção adicional aos zagueiros, e marcando o camisa 10 adversário. Já os homens dos lados, João Mário e Renato Sanches, se desdobram durante o jogo desempenhando funções de volante, ponta e meia. Apesar de Renato Sanches, a revelação do campeonato ter mostrado que pode ser um meia criativo, ele não opera com essa liberdade no esquema de Fernando Santos.

Já no meio-campo galês, a ausência de Ramsey foi determinante para a falta de criatividade. Isso ficou claro durante o jogo, em que Portugal deixava Gales ter a bola, mas eles eram incapazes de produzir boas chances com isso, parando no bloqueio do meio-campo português. Os galeses acabaram recorrendo a muitos lançamentos longos que não deram certo.
No primeiro tempo, Gales teve mais a bola, mas só conseguiu tocá-la na defesa, abusando de lançamentos longos. Portugal conseguiu tê-la na zona em frente a defesa galesa, mas também não soube entrar na área.
Bale, arco e flecha

Contra a Bélgica, Gales foi capaz de apresentar um bom futebol graças a produtividade de seus dois craques, Bale e Ramsey, que eram encaixados em um esquema que lhes dá a liberdade e o espaço necessário para criarem. Quando jogam juntos, eles sabem se alternar entre criador e finalizador, de forma a confundir a marcação adversária. Contra Portugal, Bale tentou jogar pelos dois, ser arco e flecha, mas acabou sendo ineficaz devido a falta de boas opções de passe. Quando Bale recuava para armar, faltavam opções no ataque. Quando ele ficava no ataque, faltava alguém capaz de encontrá-lo com a bola. As únicas boas chances do País de Gales foi quando Bale conseguiu roubar a bola e partir em velocidade, conseguindo alguns chutes a gol. Foi pouco, mas foi o que ele conseguiu produzir.

Contribuia para a falta de opções do País de Gales o fato dos alas estarem mais cautelosos, tentando evitar que os zagueiros ficassem sozinhos contra Ronaldo e Nani, o que leva ao próximo ponto.

Ronaldo ajuda e é ajudado por Portugal.

Uma diferença marcante entre a postura de Portugal e Bélgica ao enfrentar o País de Gales foi o posicionamento de seus principal jogador frente aos avanços dos alas galeses. Pela Bélgica, Hazard voltava para compor a segunda linha de quatro, tentando ajudar o lateral esquerdo contra as subidas de Gunter. Isso não funcionava porque evitava que Hazard conseguisse lançar contra-ataques perigosos e comprometia a qualidade da defesa belga com um jogador sem vocação para o trabalho. Fernando Santos encarou o problema de forma diferente.

Com Portugal, os alas galeses se tornaram principalmente a responsabilidade dos meias pelos lados (João Mário e Renato Sanches). Quando algum ala tinha a bola, o meia mais próximo se aproximava, com o meia do lado oposto fechando pelo meio para evitar que os galeses tivessem superioridade numérica por ali. Isso permitia que Portugal tivesse números suficientes na defesa para enfrentar a ameaça de Kanu e Bale.

Mas, mais importante, dava folga a Ronaldo, que não gastava energia com os alas adversários, se posicionando de forma a poder levar perigo quando recebesse a bola, de frente para os zagueiros galeses. Esse tipo de estratégia, em que todo o time defende para que o craque do time resolva é antiquada, mas pode funcionar quando o seu craque é o melhor jogador do mundo atualmente.

E foi o que aconteceu.Em um jogo muito equilibrado, Ronaldo abriu o placar no início do segundo tempo em uma linda cabeçada em lance de escanteio. Em seguida, Ronaldo recebeu a bola na esquerda de Adrien Silva em contra-ataque, e no lance subsequente, apareceu na direita para chutar a gol, que foi desviado por Nani para fazer o segundo, efetivamente encerrando a disputa.

Bale se desdobrou entre meio-campo e ataque, e pouco conseguiu. Ronaldo foi mais econômico, concentrando suas ações na área, e acabou produzindo mais, com um gol e uma assistência.


Conclusão

Um jogo que foi marketizado como o enfrentamento de dois craques companheiros de time: Bale e Ronaldo. Apesar de geralmente esse tipo de simplificação é burra, nesse caso acabou se tornando adequada, principalmente pela ausência de criatividade nos dois meios-campos, o que deixou toda a responsabilidade por desequilibrar nos pés dos dois jogadores do Real Madrid.

Enquanto Bale tentou se desdobrar entre a armação e finalização de jogadas, o time português permitiu a Ronaldo se concentrar nas ações no terço final de campo, onde ele é capaz de desequilibrar. Bale se esgotou fisicamente sem ser capaz de alterar o placar, enquanto Ronaldo teve energia para mudar o panorama do jogo em um intervalo de cinco minutos.

Portugal não joga bonito, mas vai a final da Euro mesmo assim. É curioso ver Portugal voltar a uma final da Euro, jogando feio, e enfrentando o anfitrião. Repete assim a história da Grécia, que acabou campeã em 2004 vencendo Portugal na sua própria casa, apesar do favoritismo imenso dos anfitriões, que à epoca ainda tinham Figo e Ronaldo. Agora será Portugal que fará o papel do azarão contra um anfitrião que é amplamente favorito. É interessante também que o trabalho anterior do técnico Fernando Santos tenha sido justamente na seleção da Grécia.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Alemanha 1 x 1 Itália - Quartas-de-final - Euro 2016


Alemanha muda o esquema.

Depois de observar a vitória da Itália sobre a Espanha (análise do blog aqui), o técnico Joachim Löw optou por mudar seu esquema para espelhar a Itália. Por isso, optou por escalar Howedes e Kimmich juntos. Anteriormente, ambos disputavam posição pela lateral direita. Contra a Itália, o primeiro foi zagueiro pela direita, e o segundo ala-direito. O objetivo aqui era ter jogadores para ocupar melhor os alas italianos, que causaram muitos problemas para os espanhóis. Assim, Hector e Kimmich, os alas alemãos, bateram de frente com Florenzi e De Sciglio, os italianos.

O grande desfalque italiano foi Daniele De Rossi, machucado. Com isso, a Itália sofreu grande perda na qualidade da saída de bola. Sturaro entrou no time, com Parolo se tornando o primeiro-volante.
Alemanha vs Italia - Football tactics and formations
O técnico alemão usou três zagueiros para anular a proposta italiana.

Diferenças na pressão


Com os dois times semelhantes no esquema, a diferença estava na atitude. A Alemanha aprendeu com a Espanha que pressão na saída da Itália apenas cria os espaços que ela deseja. Por isso, na saída de bola italiana, o trio Muller, Gomez e Ozil se posicionavam de forma a bloquear passes para os meias italianos, sem avançar para tentar a roubada de bola. A Alemanha só pressionava quando algum desses meias recebia a bola. Com isso, a Itália acabou trocando muitos passes entre seus zagueiros na zona a frente do seu gol, sem conseguir levar a bola pra frente, a não ser com lançamentos longos.

Já a Itália tentou pressionar fortemente a saída de bola alemã, e isso gerou boas chances logo no ínicio do jogo. Peculiarmente, em alguns tiros de meta, os atacantes italianos ocuparam de tal forma os zagueiros alemães, que Manuel Neuer demorava muito para cobrar, esperando que alguém se desmarcasse. Isso mostra tanto o nível de pressão italiana, quanto o comprometimento alemão com a saída de bola pelo chão. Algumas vezes, entretanto, Neuer era forçado a dar chutão.

Quando, a muito custo, a Alemanha contornava a pressão italiana na sua saída, a Itália recuava bem suas linhas, com uma linha de 5 homens na defesa, e os outros cinco homens (3 meias e dois atacantes) muito próximos, se movimentando de um lado pro outro do campo, conforme a posição da bola. Assim, a posse de bola alemã se concentrou na zona a frente da linha de meio-campo, com os zagueiros, que rodavam a bola entre si, de um lado para o outro, tentando contornar a marcação italiana. Entretanto, o posicionamento italiano significou dificuldades para a Alemanha entrar na área adversária.
Alemanha tem a bola no meio-campo, com seus zagueiros. Itália também tem a bola com os zagueiros, mas na defesa. Alemanha não consegue entrar na área italiana.


Times se anulam

Devido a inteligência de seus técnicos, ambos os times conseguiram trabalhar bem para diminuir a força dos pontos fortes dos adversários. Isso levou a uma partida tensa, em que um detalhe decidiria a partida, o que fazia com que os jogadores estivessem ainda mais concentrados.

Taticamente, as forças dos dois times foram diminuídas nesse jogo, graças as estratégias adotadas pelos adversários. Os alas italianos, que tinha muito espaço contra a Espanha já que os laterais espanhóis mantinham a linha de defesa e os atacantes marcavam os três zagueiros, dessa vez tinham adversários diretos na disputa pelas laterais do campo. Hector e Kimmich avançavam e empurravam os alas italianos para a defesa, ao mesmo tempo que os marcavam mais facilmente a partir da sua posição mais avançada.

Outra estratégia italiana que deu menos frutos nesse jogo foram as jogadas com Pellè. Contra a Espanha, ele encontrou muito espaço entre as linhas, se movimentando inteligentemente junto com Éder para causar problema aos dois zagueiros espanhóis. O uso de três zagueiros facilitou a marcação de Pellè, e o fato de que a Alemanha não avançava para pressionar a saída italiana significou menos espaço entre as linhas para ele.


Esquerda: Passes recebidos no primeiro tempo de Pellè contra a Alemanha.
Direita: Passes recebidos no primeiro tempo de Pellè contra a Espanha.
Pellè recebeu a bola em posições mais perigosas contra a Espanha.

Apesar de ter mais a bola, a Alemanha também não foi capaz de penetrar na área adversária como gostaria. Com o meio congestionado, e jogando com alas, a Alemanha tentou encontrar o gol rodando a bola de um lado pelo outro, e buscando cruzamentos na área, para Mario Gomez e Thomas Muller. Entretanto, isso na verdade era exatamente o que a Itália queria, já que seus três zagueiros são muito bons na jogada aérea. O único cruzamento que levou perigo foi de Hummels para Schweinteiger que resultou em gol, mas anulado por impedimento. A maioria das jogadas de lateral se concentraram pela direita, com Kimmich, mas ele pouco conseguiu produzir ofensivamente, parando na barreira italiana.


Giaccherini

O jogador mais interessante da Itália era Giaccherini. Dentro da rigidez do sistema italiano, e das dificuldades impostas pelos alemães, que neutralizaram os alas da Itália, o jogador com posicionamento e movimento mais dinâmico era Giaccherini. Posicionado pela esquerda do meio campo, ele avançava para se tornar um terceiro atacante pela esquerda, pressionando Howedes. Logo no ínicio do jogo, ele conseguiu roubar duas bolas no ataque que resultaram em boas chances de gol para a Itália. 

O time italiano buscava mais o jogo pela esquerda, justamente pela presença italiana. Geralmente, seu marcador mais próximo era Schweinsteiger. O alemão tem muita técnica e força, mas não está 100% fisicamente, o que dava margem para Giaccherini vencê-lo na base do vigor. O italiano geralmente fazia corridas verticais, partindo de uma posição em que estava marcado por Schweinsteiger para se juntar aos atacantes como elemento surpresa, sem que o alemão conseguisse acompanhar sua velocidade. Essa oscilação entre meio e ataque foi a maior causa de problemas para os alemães no jogo. Em uma ocasião, Kimmich demorou para formar a linha de impedimento, o que deu margem para uma corrida de Giaccherini que foi a melhor chance italiana no primeiro tempo.

Ações de Giaccherini no primeiro tempo: 3 bolas recuperadas no ataque, levando a chances de gol para a Itália.


Alemanha faz gol de Itália

O jogo progrediu com padrão se repetindo: A Alemanha tendo mais a bola sem penetração, e a Itália sem muitas oportunidades de contra-ataque, mas levando um pouco mais de perigo, principalmente com a movimentação de Giaccherini. No geral, poucas chances perigosas. Ironicamente, o gol que abriu o placar acabou saindo em uma jogada com estilo mais italiano que alemão: A Itália pressionou a saída de bola de tal forma que Neuer teve de tentar o lançamento longo. Mario Gomez disputou a bola pelo alto, perdeu mas conseguiu atrapalhar o suficiente para que a bola sobrasse para Ozil, que tocou para Gomez, na ponta-esquerda. O centroavante conduziu bem, esperou a ultrapassagem do ala Hector, e deu um lindo passe que quebrou a defesa italiana. Hector conseguiu o cruzamento - desviado - para Ozil, que fez o gol. 

Lançamento longo do goleiro, centroavante forte para matar a bola, saindo da área, penetração do ala e chegada de meio-campistas ao ataque eram todas características mais italianas que alemãs. Neuer no lugar de Buffon, Gomez no de Pellè, Hector no de Florenzi, e Ozil no de Giaccherini. Isso foi uma mostra de como a Alemanha tem mais repertório do que teve a Espanha. Sabe atacar com paciência, mas é também muito perigosa no jogo direto.

Logo depois do gol, a Alemanha teve seus melhores momentos no jogo. Optou por tentar sufocar a Itália de forma que ela não conseguisse tentar a reação. Quase deu certo. Gomez teve outra oportunidade, aparecendo livre na área, e finalizando de calcanhar de costas para Buffon, que fez ótima defesa. Poderia ter sido o segundo gol, que mataria o jogo de vez.

Itália melhora com Éder

Depois do gol e da blitz alemã que veio a seguir, a Itália começou a se recuperar no jogo. Uma mudança interessante foi a mudança no lado dos ataques. Até então, a maioria das jogadas ofensivas italianas foram pela esquerda, principalmente com a participação de Giaccherini por aquele lado. Depois do gol, Éder começou a aparecer mais, sendo alvo de jogadas pela direita. Essa mudança pareceu surpreender a Alemanha, que teve dificuldades em afastar as jogadas por aquele lado. Boateng foi forçado a dar escanteio por ali, e no lance subsequente, um cruzamento pela direita acabou resultando no pênalti, com uma baita contribuição de Boateng, que pulou com os braços abertos dentro da área. O gol pode ser atribuído a um erro individual, mas também foi o resultado de uma variação no estilo de jogo do time italiano, que os alemães não estavam esperando.

Passes no ataque da Itália até o momento do gol alemão e depois do gol: mudança de lado.




Conclusão

O jogo equilibrado precisou de 8 pênaltis para cada lado para determinar quem teria a vaga na semifinal. Taticamente, os dois técnicos fizeram o dever de casa e trabalharam seus times para neutralizar os pontos fortes dos adversários. Apesar do time italiano ter nomes menos expressivos, a Alemanha se viu forçada a mudar o seu esquema clássico para enfrentar a Itália, o que é um testamento para a força do time comandado por Antonio Conte. Conseguiu jogar de igual para igual com o time campeão do mundo, e que tem o mesmo técnico há 10 anos. O técnico italiano agora se prepara para assumir o Chelsea, enquanto o futuro da Itália é uma incógnita.

Uma característica interessante di jogo foi como a bola passou bastante tempo com os zagueiros. Os três zagueiros italianos e os três alemães participaram ativamente da construção do jogo das suas equipes. Isso mostra a necessidade atual de ter zagueiros com habilidade no passe, e cada vez menos zagueiros-zagueiros. David Luiz e Thiago Silva são exemplos no Brasil que devem ganhar uma chance com Tite, pois podem render bastante em um time bem ajustado.

Além disso, o que já não é novidade, é a participação dos atacantes sem a bola, seja pressionando a saída, ou recuando para ocupar os espaços e dificultar as linhas de passe dos adversários. No futebol moderno todos precisam trabalhar juntos, e isso não é um detalhe, mas parte importantíssima do plano de jogo de cada equipe, que pode render muitos frutos se usada corretamente. 

O jogo foi muito bem disputado, tenso, e incrivelmente equilibrado. Uma aula de futebol bem jogado e bem pensado.

sábado, 2 de julho de 2016

País de Gales 3 x 1 Bélgica - Quartas-de-final - Eurocopa 2016

Escalações

O técnico do País de Gales Chris Coleman tinha todos os seus jogadores a disposição. A única mudança em relação ao jogo com a Irlanda do Norte foi a escolha pelo centro-avante Robson-Kanu no lugar de Vokes. Kanu é considerado o titular, o que significou força máxima galesa.

Já para o técnico belga Marc Wilmots, a situação era diferente. Além de já começar o campeonato sem boa parte da zaga considerada titular, perdeu para esse jogo os defensores Vermaelen, suspenso, e Vertonghen, machucado. Isso significou a perda de todo o lado esquerdo da defesa. Seus substitutos foram Denayer, na zaga e Jordan Lukaku - irmão mais novo do atacante Romelu Lukaku - na lateral-esquerda. Os dois têm 21 anos e acabaram tendo uma péssima noite. O resto do time foi como esperado.


3-4-2-1 e a liberdade para Bale e Ramsey

Um dos aspectos interessantes do jogo é o uso de três zagueiros por parte do País de Gales. Apesar de ser uma formação pouco usada na Europa, o sistema está ressurgindo, principalmente com o resultado da Itália frente a Espanha. Enquanto no caso italiano é uma forma de acomodar os fortes zagueiros italianos, e tentar tirar leite de pedra com seus atacantes, no caso galês é o contrário. Toda a força galesa encontra-se concentrada em dois jogadores: Bale e Ramsey. O primeiro é um dos cinco melhores jogadores do mundo, tradicionalmente um ponta, mas com muita habilidade e versatilidade. Já Ramsey é um meia do Arsenal, com muita técnica. O esquema galês tem como principal objetivo dar liberdade aos dois, mas também garantir que eles tenham espaço e opções.

Bale e Ramsey formam uma dupla de armadores com liberdade para se movimentarem pelo campo todo. Apesar de Bale ser geralmente considerado um ponta de qualidade, aqui ele não fica preso na lateral do campo. Isso ajuda o galês a não se desgastar muito na marcação, e explora outras qualidade suas além da velocidade e do drible. Na fase ofensiva, as pontas são ocupadas pelos alas, que ajudam a esticar o time adversário, o que dá mais espaço aos dois armadores, bem como opções de passe.


Bale e Ramsey tiveram muita liberdade de movimentação, rodando o campo inteiro. 

Gales defende bloqueando o meio

Na fase defensiva, Bale e Ramsey ajudavam a fechar o meio, formando, junto com Allen e Ledley, um cerco de quatro jogadores aos três da Bélgica. Os três atacantes belgas eram marcados pela linha de cinco galesa. Isso significava um saldo de três homens a mais na defesa galesa do que atacantes belgas. Quem tinha espaço eram os laterais belgas. Infelizmente, os laterais belgas eram exatamente os jogadores mais inexperientes do time. Ambos jogam na liga belga, e Jordan Lukaku fazia sua estréia no torneio. Antes da Euro começar, nenhum era titular do time. Eles não souberam aproveitar o espaço, e não ajudaram os pontas belgas a fazer o 2x1 pelas laterais. 

Cruzamentos dos laterais belgas. Lukaku errou os dois que tentou. Meunier até tentou mais, mas geralmente cruzava do meio-campo, com poucas ultrapassagens.

Gales força o jogo pela direita.

Uma característica marcante do jogo galês foi a insistência em atacar pelo lado direito. Com certeza eles sabiam que por ali a defesa belga estava comprometida pelas mudanças recentes. Todos os gols galeses surgiram por aquele lado. Depois de terem sofrido o primeiro gol, o País de Gales tomou o controle do jogo. Isso também foi causado pelo recuo prematuro das linhas de defesa belgas. 

Bale, Ramsey, Allen, Gunter e Robson-Kanu concentravam as jogadas no lado esquerdo da defesa belga. Com a Bélgica muito recuada, Hazard ficava na situação incômoda de ter de marcar o ala Gunter, sem que Gunter precisasse se preocupar muito com ele na defesa, graças a presença de três zagueiros. Assim, a Bélgica perdia porque tinha jogadores inexperientes do lado esquerdo da zaga, perdia porque Hazard tinha de recuar até o campo de defesa para marcar Gunter, e perdia porque Hazard não sabe marcar muito bem.

Passes no terço final do País de Gales: forte concentração pelo lado direito.


Fellaini, falso meio-campo.

No intervalo, Marc Wilmots introduziu Fellaini no lugar de Carrasco. Em um primeiro instante, pareceu que De Bruyne iria jogar aberto pela direita, com a Bélgica em um 4-3-3, com Fellaini recuado para fortalecer o meio-campo, com Naingollan mais avançado um pouco para pressionar a saída do País de Gales. A Bélgica até melhorou, mas acabou tomando o segundo gol quando era melhor em campo, devido a novas falhas pelo lado esquerdo da sua defesa, e um ótimo drible de Robson-Kanu.

Com isso, rapidamente Fellaini se transformou em um falso meia. Ele passou a jogar como um homem-alvo para jogadas aéreas. Ele já desempenhou esse papel no Manchester United, e o repetiu aqui. Com o recuo do País de Gales para proteger o placar e usar os contra-ataques, a presença de área de Fellaini foi útil e até gerou boas chances para empatar. Mesmo assim, ver um time com a qualidade técnica da Bélgica recorrer a esse tipo de jogadas é, no mínimo, curioso.

Esquerda: Passes recebidos por Fellaini no jogo / Direita: Duelos aéreos vencidos por Fellaini no jogo.


Bélgica em modo ataque total.

Após o segundo gol, o País de Gales recuou, e a Bélgica tentou o abafa. Além da presença de Fellaini na área como referência, Marc Wilmots também tirou Jordan Lukaku, que fez péssima partida, e colocou um ponta, Dries Mertens, do Napoli, no seu lugar. Com essa mudança, a Bélgica se tornou ultra-ofensiva. Entretanto, faltava a Bélgica um plano melhor para chegar ao gol. Os belgas tocavam a bola na frente da defesa galesa, que jogava bem recuada, negando espaço dentro da área. Mertens e Hazard tendiam a trazer a bola pra dentro, para o pé direito. De Bruyne permanecia na zona do camisa 10. Faltou penetração. O jogo belga afunilava, facilitando o trabalho do País de Gales, que preferia fechar o meio-do-campo. As melhores chances ocorreram quando Meunier ultrapassava pela direita, o único jogador da Bélgica que realmente esticava o campo. Infelizmente ele ficou mais cauteloso depois da saída de Jordan Lukaku, para não abrir demais a Bélgica.

Passes da Bélgica depois da introdução de Mertens: Toques na frente da defesa galesa, sem jogadas pelas pontas, afunilando o jogo.

No fim, o País de Gales explorou novamente o buraco no lado esquerdo da Bélgica - agora de fato um buraco, já que a Bélgica não tinha lateral-esquerdo - com um lançamento longo de Bale para Ramsey - inversão de papéis - que resultou em um gol de cabeça de Vokes, substituto de Robson-Kanu. Era o último prego do caixão belga.

Conclusão

A ótima geração belga, segunda colocada no ranking da Fifa, perde a melhor oportunidade de fazer bonito em um grande torneio. Muitas críticas antes do torneio caiam sobre o técnico Marc Wilmots, especialmente sobre sua ingenuidade tática. É certo que ele teve fortes perdas de jogadores antes do torneio (Kompany e Lombaerts) e antes desse jogo (Vermaelen e Vertonghen). Ainda assim, Wilmots falhou em propor uma solução decente para o problema. Além disso, a falta de laterais ofensivos é um problema que não seria resolvido nem com os titulares, já que Vertonghen e Alderweireld são zagueiros convertidos.

A Bélgica sempre pareceu menos do que a soma das suas partes. Aqui, fica claro o contraste entre os dois times. Enquanto Chris Coleman criou um esquema para acomodar seus melhores jogadores, dando-os liberdade, mas também provendo opções para eles, Wilmots parece se satisfazer em escalar os bons jogadores, e deixá-los resolver toda a situação sozinho. Hazard e De Bruyne muitas vezes parecem perdidos, e conforme eles tentam improvisar, o resto do time parece não saber o que fazer.

O País de Gales soube se defender, e soube por onde atacar. O ponto fraco da Bélgica era óbvio, e nada foi feito para evitá-lo. O jogo também representou outra vitória do esquema com três zagueiros na Eurocopa, algo incomum. Aqui, o esquema foi usado para defender bem contra pontas habilidosos que não contavam com a ajuda de laterais para ultrapassagens. No ataque, os alas esticaram o time belga, dando espaço para Bale e Ramsey, e forçando Hazard a passar mais tempo defendendo que atacando. O próximo teste será nada menos que Cristiano Ronaldo.


quarta-feira, 29 de junho de 2016

Itália 2 x 0 Espanha - Oitavas-de-final - Eurocopa 2016

Escalações

Antonio Conte continou com seu time base no 3-5-2. Nas alas, optou por Florenzi - direita - e De Sciglio na esquerda. A Espanha também teve força máxima, com De Gea o novo titular absoluto no gol. 

Espanha pressiona errado.

Logo nos minutos iniciais, ficou claro que a Itália tinha alguma vantagem estratégica sobre a Espanha. Mesmo antes do gol de Chiellini, o time azul tinha chegado com perigo algumas vezes. O problema é que a Espanha não conseguiu acertar a pressão na saída de bola dos italianos. Os seus três atacantes tentavam pressionar os três zagueiros italianos, mas os dois alas recuavam para ajudar, facilmente contornando a pressão. Os laterais espanhóis hesitavam em avançar tanto para pressionar, e quando o faziam, facilitavam a vida dos dois atacantes, abrindo espaço para Éder e Giaccherini aproveitarem.

Enquanto isso, a Itália pressionava muito bem a saída da Espanha, o que forçou o goleiro De Gea a dar muito mais chutões do que Buffon. A Itália avançava seus alas e marcava os quatro jogadores da defesa da Espanha. Apesar de parecer que os três zagueiros ficavam sós com os três atacantes espanhóis, isso raramente ocorria, porque a Espanha não usa transições rápidas, preferindo trocas de passes mais elaboradas, o que dava tempo da Itália se recompor.

O sucesso da estratégia italiano é evidenciado na figura a seguir. Nela, é possível perceber que a Itália tinha mais passes do que a Espanha - famosa pelo toque de bola - até o momento do gol. Além disso, A Itália conseguia sair jogando na defesa, devido a Espanha não sabendo pressionar. Enquanto isso, a Espanha recorria aos chutões, pois a Itália marcava bem a saída.


Itália anula Busquets.

Outra parte importante do plano da Itália era anular Busquets. O "volante" é um jogador chave no time da Espanha, bem como no Barcelona. A partir da sua posição mais recuada no meio-campo, ele inicia e distribui as jogadas, ditando o ritmo de jogo. A Itália usava a dupla Pellè e Eder para marcá-lo quando a Espanha tinha a posse, de forma que ele pouco pôde contribuir, se tornando um dos jogadores que menos tocou na bola na primeira etapa.

Comparando os passes no primeiro tempo de Busquets e De Rossi, o volante-armador da Itália, a constatação de que Busquets foi anulado fica clara.



Pellè aproveita espaço entre as linhas.

O atacante italiano foi um dos destaques do jogo. Sua atuação foi de uma referência clássica. Soube se impor fisicamente, fazer o pivô, e também sair da área para receber a bola, atrair a marcação e abrir espaços para os companheiros. Frequentemente no primeiro tempo, os três homens de meio-campo da Espanha avançavam para tentar pressionar a Itália, deixando espaço entre as linhas. Sem um camisa 10 clássico, coube a Pellè se aproveitar desse espaço, servindo como a referências para passes a partir da defesa italiana.

O jogo de Pellè foi bem complementado pelo brasileiro Éder. Mais rápido, o brasileiro aproveitava as brechas na defesa criada pelo companheiro, se movimentando bem entre os zagueiros e laterais. Eder e Pellè muitas vezes forçavam para ocupar os dois zagueiros espanhóis, de forma a matar a sobra adversária. Perceba no gráfico abaixo como Pellè geralmente recebia a bola na zona a frente da defesa da Espanha, e prosseguia a jogada abrindo a bola na lateral, com as subidas dos alas.


Itália confortável em diferentes situações.

Com a vantagem no placar, era natural que a Espanha viesse pra cima, ainda mais com o cansaço natural da pressão italiana. De fato, o segundo tempo viu o domínio espanhol na posse de bola, como era esperado. Entretanto, a Itália não tem problemas em recuar suas linhas e se defender com uma linha de cinco. O grande mérito do time italiano foi ter a capacidade de atuar com e sem a bola. Contando com os melhores zagueiros do mundo nesse estilo de jogo, a Itália suportou a pressão espanhola muito bem.

Em contraste, a Espanha só soube jogar com a bola. Isso a tornou prevísivel, pois Conte sabia que eles não recuariam as linhas, e se a Itália tentasse sair jogando, eles teriam de correr atrás. A pressão errada da Espanha permite supor que eles nem imaginariam que a Itália tentaria competir na posse de bola, que começariam na forma ultra-defensiva, mas não foi isso que a Itália fez. A Itália forçou a Espanha a sair da sua zona de conforto, enquanto ela própria soube jogar bem mesmo em situações diferentes.

Espanha sofre com atacantes

A espanha começou o jogo com Nolito e Morata, sua dupla titular até aqui no torneio. Ambos não conseguiram produzir muito na frente, facilmente marcados pelos italiano e também não foram capazes de atrapalhar a saída de bola italiano. No intervalo, Del Bosque colocou Aduriz no lugar de Nolito, com Morata indo pra ponta. Depois, Morata deu lugar a Lucas Vasquez, que veio jogar aberto pela direita, para tentar esticar o time italiano de forma que os outros atacantes não conseguiram. Por último, Aduriz saiu machucado para Pedro entrar. É emblemático que Del Bosque tenha usado todos os seus 5 atacantes no jogo, sem que nenhum fosse capaz de causar grande impacto. Certamente, os atacantes espanhóis destoam do resto do time

Conclusão

A Espanha, uma das maiores influências futebolísticas da última década, foi eliminada do seu segundo grande torneio, depois de ter vencido três em sequência. Com isso, pode-se declarar o fim da sua hegemonia. O seu legado é muito grande, não só fomentou o futebol de controle via posse de bola, como também as estratégias de contenção.

Parte do declínio espanhol se dá as estratégias encontradas pelos adversários, que tiveram de reinventar também as formas de defender. Outra parte se dá pela aposentadoria de Xavi, que era o arquétipo de meio-campista necessário para o estilo de jogo espanhol. Agora, seu legado permanece em outras seleções, notadamente com Kroos na Alemanha.

Como foi dito na prévia dos favoritos, a Espanha tenta manter um estilo de jogo que já sofreu muitas modificações em seus clubes. O tiki-taka puro da seleção espanhola precisa aprender um pouco com o jogo de contra-ataque e pressão do Atlético de Madrid, do Real e mesmo do atual Barcelona. Sem Xavi, o tiki-taka dificilmente será executado com a mesma perfeição novamente. É por isso que a Alemanha parece cada vez  ser a próxima hegemonia, com o tiki-taka de Guardiola mesclado com a pressão de Klopp. 

terça-feira, 28 de junho de 2016

Argentina 0 x 0 Chile - Final da Copa América 2016



Escalações

Em relação ao jogo contra a Colômbia, Vidal e Diaz voltaram ao time depois de cumprirem suspensão. Pizzi novamente optou por escalar Isla na lateral-direita e Fuenzalida pela meia-direita. O resto do time foi o esperado.

O técnico Gerardo Martino pôde escalar pela primeira vez o time considerado ideal, com Messi e Di Maria jogando juntos. No meio, Biglia ganhou a vaga de Augusto Fernandez.

Expulsões

Uma característica dos dois times é a intensidade. Ambos são adeptos da marcação avançada e com pressão. Os chilenos construíram essa característica a partir do tempo em que foram treinados por Marcelo Bielsa. Vidal e Aranguiz são dois meio-campistas que unem técnica e energia necessária para realizar muito bem esse tipo de jogo. A eficiência na pressão explica a goleada de 7 a 0 no México.

A Argentina desenvolveu essa capacidade de pressionar mais recentemente, mas agora é uma de suas características. Esse tipo de jogo é fadado a ter muito contato. Aliado a presença de  um juiz brasileiro, era certo que a distribuição de cartões iria começar cedo.

De fato, dois jogadores foram expulsos no primeiro tempo. Isso alterou a dinâmica do jogo, aumentando os espaços. O volante chileno Diaz recebeu dois amarelos por faltas em Messi, e, num claro movimento de compensação, o lateral argentino Rojo foi expulso. Não é que, individualmente, esses jogadores não mereceram ser expulso. Mas o árbitro Héber Roberto Lopes não soube gerenciar o jogo, marcando faltas demais, o que resultou em jogadores com ânimos acirrados e buscando ainda mais o contato. Messi e Vidal souberam se aproveitar disso para causar as expulsões.

Sem Rojo, Mascherano virou zagueiro e Funes Mori o lateral-esquerdo do time. No Chile, Aranguiz e Vidal dividiram as funções de Diaz.


Chile corajoso e Argentina pragmática.

O Chile começou bastante proativo, tocando a bola desde o goleiro Bravo. A Argentina pressionava, mas o Chile não se precipitava, rodando a bola na defesa até encontrar o espaço para avançar. A frieza chilena sob pressão foi impressionante, e refletia uma equipe muito bem treinada.

O problema do Chile era só um: A capacidade de Messi desequilibrar. Apesar do Chile ter a bola na maior parte do tempo, as poucas vezes que a Argentina recuperava-a, Messi tinha espaço para correr com a bola, criando chances de gol. Foi assim que Diaz acabou expulso, por dois cartões amarelos em faltas em Messi. Mesmo com a bola, o Chile não conseguiu chutar no primeiro tempo, enquanto a Argentina chegou seis vezes.

Depois das expulsões, a dinâmica do jogo mudou um pouco. O Chile foi ainda mais paciente com a bola, tocando-a na defesa mesmo sob a pressão argentina, o que fez os atacantes argentinos cansarem. Gerardo trocou Di Maria, que não estava 100%, por Kranevitter, reforçando o meio-campo, que havia perdido Mascherano para a zaga. Com esse movimento, a Argentina ficou ainda mais dependente de Messi, e portanto, mais prevísivel. Higuain também cansou, sendo substituído por Aguero. Messi passou a ser o homem mais avançado do time, como falso nove, com Aguero fechando a linha de quatro no momento defensivo, e se tornando um atacante no momento ofensivo.

O jogo prosseguiu sem gols, com o Chile envolvendo a Argentina, mas sofrendo com os poucos momentos em que Messi encontrava a bola. A Argentina foi bem defensivamente - reflexo dos três zagueiros e três volantes, mas o Chile impressionou pelo toque de bola e confiança no seu estilo de jogo proativo.


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